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sábado, 21 de julho de 2012

A diferença entre democracia delegativa e deliberativa: pelo fim da exclusão política



Por Ivo José Triches e José Luiz Ames[1]

No cerne deste modelo democrático atual está a ideia do sufrágio universal. O sufrágio universal (direito de todos votar e ser votado), na maneira como funciona em nosso meio, faz com que impere na política a mesma lógica competitiva que domina no mercado. A democracia passa a ser vista como um “mercado”, isto é, um mecanismo institucional para eliminar os mais fracos e estabelecer os mais competentes na luta competitiva pelos votos e o poder. O papel central nesta competição está destinado à liderança política.

Democracia delegativa
Este modelo de democracia é conhecido como “democracia delegativa”. Há outros autores que preferem utilizar o conceito Democracia Representativa, para referir-se a esse modelo político que surge a partir da modernidade. Mas o que significa esse modelo?
A democracia delegativaé fortemente individualista. Pressupõe-se que os eleitores elejam, independentemente de suas identidades e afiliações, a pessoa mais capacitada para cuidar dos destinos da coletividade. As eleições nas democracias delegativas são um processo extremamente emocional e que envolve altas apostas: vários candidatos competem entre si para saber quem será o ganhador da delegação para governar sem quaisquer outras restrições, a não ser aquelas impostas pelas relações de poder.
A democracia delegativa, como vemos, transfere (“delega”) ao eleito o direito e a responsabilidade pelos destinos da coletividade. Os eleitores (“delegadores”) limitam sua participação política à eleição. Os cidadãos se comportam em relação aos candidatos como consumidores: escolhem o “produto” que melhor responde aos seus desejos. A propaganda eleitoral contribui decisivamente para a mercantilização da política. As lideranças apresentadas como candidatos recebem uma produção similar àquela que é feita para vender qualquer produto comercial: o consumidor (eleitor) compra (vota) pela embalagem. Por isso, o argumento de que o “mais capaz” é eleito não procede. Por causa da propaganda, o eleitor não tem como saber quem é o mais preparado.
Democracia deliberativa
A exclusão do cidadão do processo de tomada de decisão política é, portanto, inerente ao modelo da democracia delegativa ou representativa. Essa constatação reacendeu o debate atual em torno da teoria da democracia deliberativa que, obviamente, coloca profundamente em questão o modelo da representação política. Alguns autores também denominam esse modelo como de democracia direta.  Com efeito, a ideia da representação política implica em que os representantes discutem entre si e deliberam. Não existe debate com a sociedade para formar a opinião e a vontade pública.
A teoria da democracia deliberativa, ao contrário, consiste na ideia segundo a qual, a opinião e vontade pública resultam do debate estabelecido pelos próprios cidadãos e não por seus representantes eleitos, tão somente.
A concepção deliberativa da democracia é uma postura contrária ao elitismo. Neste sentido, opõe-se à ideia que concebe a classe política como responsável pelo governo e para a qual o exercício da cidadania se limita à eleição periódica dos representantes. Segundo a concepção deliberativa da democracia, a opinião e a vontade pública devem resultar do debate contínuo e continuado dos próprios cidadãos.
A democracia deliberativa distingue entre o âmbito do mercado e o da política. Enquanto no domínio do mercado o indivíduo pode escolher unicamente em vista de sua vantagem pessoal, no campo político as escolhas devem levar em consideração as demais pessoas. Por essa razão, democracia pressupõe debate e possibilidade de rever decisões. A decisão sobre aquilo que é mais adequado à coletividade não tem como ser estabelecido por nenhum instrumento científico e, muito menos, por uma liderança, ainda que eleita pela maioria. Somente o consenso que resulta da argumentação, do confronto de opiniões, é capaz de determiná-lo.
Outro aspecto da democracia deliberativa é que nela são levadas em consideração, como unidades fundamentais, as pessoas e não os grupos. Isso implica em privilegiar a defesa dos direitos das pessoas sobre a maximização dos benefícios de grupos de interesse e de facções. Por fim, a democracia deliberativa considera que o sistema político de tomada de decisões deve basear-se, primordialmente, na discussão. A importância da discussão pode ser vista em vários pontos: previne erros; ajuda a impedir a adoção de decisões parciais; educa para a cidadania na medida em que exercita a capacidade de argumentar e de aceitar posições opostas.
A teoria da democracia deliberativa não pode ser confundida com o modelo da democracia direta dos antigos. Como aquele na Atenas do séc. V a.C. Lá apenas os homens podiam participar e dentre eles, somente aqueles que tinham posses. Notoriamente, na democracia direta grega ela foi possível porque a unidadepolítica era pequena. A democracia deliberativa, ao contrário, é uma teoria que toma em consideração a realidade dos grandes Estados modernos. Insiste na ideia de que o cidadão precisa ter garantido espaços através dos quais possa ocorrer o confronto das opiniões. Neste sentido, rompe com o modelo representativo, que se apropriou do direito de determinar o que é vontade pública.
Em grande medida as novas forças produtivas em curso estão facultando a existência dessa prática de democracia. No Brasil a experiência da prática do Orçamento Participativo que ocorreu em Porto Alegre na década de noventa do século passado, contou com a ajuda da Internet. O ciberespaço te se transformado numa poderosa ferramenta do controle dos gastos públicos, de um meio para chamar os cidadãos para prática da democracia deliberativa. Assim nossa participação no cuidado da coisa pública (res publica) tem ocorrido de forma mais direta, sem termos que contar sempre com nossos representantes que delegamos para esse fim.

Cidadania e Estado democrático

A democracia pressupõe cidadãos iguais, e a noção de cidadania não se entende sem um sistema de direitos. Assim como a ideia de cidadania alude a indivíduos que participam como atores da vida política e social, a função da democracia é assegurar direitos fundamentais para todos. Isso nos evidencia o paradoxo: vivemos em sociedades democráticas com cidadãos nominais, isto é, cidadãos incompletos que não podem exercer plenamente os atributos correspondentes a esta condição.
Sem dúvida, não se pode reduzir a crise da cidadania à esfera da exclusão social. Antes, o que está em crise é o sentido mesmo da cidadania moderna como sistema de integração. Na verdade, é preciso explorar outra concepção, mais inclusiva, de cidadania: cidadania como um conjunto de direitos e práticas participativas exercidas tanto no plano do Estado como da sociedade civil e que confere aos indivíduos uma pertença real como membros da comunidade política. A ideia de cidadania não deve se restringir à pertença formal de um indivíduo a um Estado, mas também a sua pertença a múltiplas formas de interação social. Em outras palavras, o conceito de cidadania não pode esgotar-se na figura portadora de direitos exercidos frente ao Estado, e sim que pode integrar as práticas que se desenvolvem no interior de uma vasta rede de associações que, operando desde a sociedade civil, é capaz de contribuir para a perfeição da ordem coletiva. O cidadão se reconhece como membro de uma coletividade política não somente por seu vínculo de nascimento em uma nação, mas também pela prática de todos os dias, em sua conexão com o curso cotidiano das coisas.
É possível, pois, pensar numa dimensão de cidadania autônoma, ou independente, em relação ao Estado. A preocupação pelos “assuntos de todos” (ou respublica) não é redutível à ideia de “interesse geral” supostamente representada pelo Estado. Antes, a defesa do interesse geral é um problema de todos e não apenas do Estado. Os assuntos comuns se difundem também pela sociedade civil, para constituir um lugar comum, um espaço público, no qual os cidadãos que abandonam seu refúgio da vida privada se reúnem para interrogar e controlar o poder e construir vínculos sociais solidários.
Considerando o que dissemos, a noção de cidadania precisa ser redefinida para não se identificar somente com o Estado, com um sistema de direitos e deveres, pois os problemas da “coisa comum” não se discutem somente no âmbito do Parlamento, mas também na mídia e na sociedade civil de modo geral. A seguridade social, por exemplo, já não é unicamente um problema do Estado, embora continue sendo. É também um problema que diz respeito a todos os cidadãos que, através de diversos mecanismos de cooperação, podem tornar possível que a sociedade civil compartilhe com o Estado a responsabilidade da solidariedade social.
Esta redefinição da noção de cidadania realça (e torna consciente) as atividades que o indivíduo desempenha como cidadão da sociedade civil. Esta noção de cidadania alude, portanto, a uma dupla atribuição: ao Estado e à sociedade civil. No primeiro caso, o indivíduo é membro de um corpo político-institucional que garante seus direitos políticos, civis e sociais. No segundo, o indivíduo é membro de um espaço público associativo que requer práticas de auto-organização coletivas desde as quais pode reforçar e estender sua condição de cidadão. Em ambos os casos o cidadão é membro da mesma comunidade. Em suma, o cidadão do Estado não cancela o cidadão da sociedade civil, nem vice-versa.

Palavras Finais

Refletirmos sobre possibilidade de uma nova forma de democracia mais humanizada foi nossa intenção. Se nós conquistaremos a hegemonia da prática da Democracia Deliberação num futuro próximo ainda é uma incógnita. Contudo, ela pode vir a acontecer. Para tanto cada um ao seu modo pode contribuir para isso à medida que tenha uma participação mais efetiva na vida da coletividade.
Superarmos o vazio ético que uma das características da pós-modernidade é uma das condições para isso.


[1]José Luiz Ames é doutor em Filosofia, professor da Unioeste. E-mail: profuni2000@yahoo.com.br
Ivo José Triches é diretor das Faculdades Itecne de Cascavel e ProfessorTitular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel.

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Auguste Rodin

Auguste Rodin é um dos mais importantes escultores em bronze da modernidade e sua colaboração para a arte moderna é incalculável. Auguste Rodin nasceu na França em 12 de novembro de 1940, vinha de uma família de classe operaria. Filho de Marie Cheffer e Jean-Baptiste Rodin, foi educado tradicionalmente. Desde criança dava indícios da sua inclinação para a arte e em grande parte da sua vida foi autodidata. Aprendeu a desenhar aos 10 anos e aos 14 foi matriculado na Petite École uma escola de artes onde estudou desenho e pintura. Estudou, também, por conta própria, anatomia humana, utilizando mais tarde estes conhecimentos em suas esculturas. Após deixar esta escola e ser rejeitado em outra escola de artes, Rodin ganhou a vida durante muito tempo como artesão. Mais ou menos nesse período, estudou com Antoine-Louis Barye, grande escultor de animais, o qual lhe influenciou significativamente na sua carreira. Nesse período conheceu e passou a viver com uma jovem costureira chamada Rose Beuret com quem teve apenas um filho.

Decidido na carreira de escultor, especializou-se na criação de esculturas em bronze. Uma de suas primeiras esculturas “O homem de nariz partido”, no entanto, foi rejeitada para o Salão de 1864, considerada inacabada pela banca examinadora devido a superfície vigorosamente enrugada, produzindo no bronze um jogo de reflexões que muda conforme a luz. Um estilo de esculpir possivelmente influenciado por Antoine-Louis Barye.

Sua primeira escultura exposta publicamente foi “A idade do bronze” em 1876, provocando grande escândalo em função dos contornos classificados como chocantes para a época. Apenas dois anos mais tarde, Auguste Rodin alcançou reconhecimento com a obra “São João Batista pregando”. Fama que lhe rendeu a encomenda de inúmeros outros trabalhos, entre eles, a “Porta do Inferno”, uma porta em bronze para o Museu de Artes Decorativas de Paris. A “Porta do Inferno” foi baseada na obra literária “Divina Comédia” de Dante Alighieri e traz cerca de 180 figuras de vários tamanhos nas quais o artista trabalhou até o fim da sua vida.

Rodin foi, também, responsável pela criação de outras obras como “O Beijo”, “O Pensador”, “Balzac”, “Os burgueses de Calais”, “O filho Pródigo”, “A voz interior”.

As esculturas de Rodin eram de um vigor escultórico que pareciam emergir da base em bronze, marcando em seus trabalhos um jogo de luz e sombra. O artista tinha a tendência de ausentar suas peças de pormenores. Além disso, Rodin frequentemente inspirava-se na mitologia e na literatura para dar forma a matéria. Auguste Rodin abriu caminho para a geração seguinte de escultores modernos.

Quase no fim da vida, em 1900, Rodin foi contemplado com um pavilhão inteiro - o Pavilhão das Almas, da Exposição Universal foi destinado aos trabalhos do artista, reunindo ao todo 150 obras.

Rodin morreu em 17 de novembro de

1917 na França. Grande parte de suas obras estão expostas no Museu Rodin em Paris.

Referência:

H.W.Janson. História Geral da Arte – O Mundo Moderno. Martins Fontes: São Paulo, 2001.



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